Paulo André mostra seu repúdio à PEC 37 (Foto: Renato Cordeiro/LANCE!Press) |
Uma imagem que não existiu e que provavelmente não existirá não sai da cabeça de Paulo André nos últimos dias:
– Estaremos concentrados até quarta-feira e brinquei com o Alessandro, que está vibrando com a movimentação popular: ‘Imagine se a gente pega uma van e para no meio do protesto com metade do time, que legal seria’ – disse ele.
– É óbvio que o Tite não vai deixar, há os outros interesses, mas seria um sonho. Seria coçar o pé do Sócrates ver o Corinthians à frente de outra manifestação – afirmou.
Jogador brasileiro mais engajado em questões sociais e políticas de sua geração, o corintiano falou ao L! e, dentre outras coisas, revelou que o Paulistão quase sofreu uma greve entre os jogadores e que mudou sua ideia sobre a Copa.
– Acho que ela não fez bem ao Brasil. Não estávamos preparados – disse ele, que adotou como causa a protestar a votação da PEC 37 (veja a foto), que acabou sendo adiada para julho.
Lancenet: Você se manifestou a favor das manifestações. É hora de os atletas se unirem pela causa?
Acho fundamental, pois a sociedade se espelha na gente para chegar em algum lugar, como ídolo, herói ou prova de superação. Tenho certeza de que quando disse que apoio o movimento pacífico, que sou contra a violência mas que estou junto deles nas reclamações, muitas pessoas que gostam de mim começaram a tentar entender melhor o movimento. A força dos atletas é grande, mas mal explorada.
L!Net: Nas Diretas Já, Sócrates, Casagrande & Cia. subiram em palanques. O que dá para fazer?
Uma vez que você tem consciência política e posicionamento, pode se expor e colocar o seu na reta. Mas não dá para sair do zero ao cem de uma hora para outra. Se o atleta não tem coragem de falar que o trabalho de alguém é bom ou ruim, não é agora que vai sair falando. O momento é interessante para que se conscientizem do seu poder, que é preciso entender mais de política e gestão para se posicionar. Vale só apoiar? Vale muito. Os jogadores hoje são capazes de fazer só isso.
L!Net: Alguns opinaram na Seleção Brasileira. O que achou?
Quem apareceu foi pressionado e exposto. Você está na Seleção, no olho do furacão e te perguntam, você é obrigado a responder. Deviam fazer mais vezes, em mais causas, alertar o povo de que há a necessidade de melhoria. Não preciso defender tudo, mas no que concordo, por que não me expor? Você não vai agradar a todos. Foi o maior aprendizado que tive com Sócrates.
L!Net: O que ele te falou sobre isso?
Quando perdemos para o Tolima (na Libertadores de 2011), saímos do CT apedrejados. Pensei: ‘Não sou bandido’. No ônibus já fui pensando no texto, foi um dos primeiros que escrevi, mas estava inseguro. Primeiro porque jogador escrever já é esquisito (risos). Segundo que, no pior momento da história do clube, vou ser contra a torcida? Liguei para o Doutor e mandei o texto por e-mail. Ele leu, me convidou para ir à casa dele, e me disse: ‘Essa é uma decisão tua, mas só quero que entenda que tua causa não pode ser maior do que a paixão do corintiano. O resto você está coberto de razão’. Voltei para casa, fiz mudanças e soltei o texto. ‘Apanhei’ de muita gente, mas comecei a chamar a atenção para um lado que ninguém conhecia. Se expor é um risco. Mas bem embasado, às vezes vale a pena.
L!Net: Seu discurso pode influenciar mais jogadores a darem opiniões?
Já fui mais sonhador, que poderia influenciar os próximos a mim, mas acho que talvez influencie a próxima geração. Ela vai ver que é possível ser jogador e pensar fora da caixinha. Vejo muito medo de diretoria, dos clubes, da torcida. Vou jogar mal e falhar, então meu telhado é de vidro. Aguento brincadeira: ‘Vai pintar! Ganha bem e fica aí reclamando’. É uma consequência…
L!Net: Você compartilhou na internet o editorial do L! que pede mudanças na estrutura do futebol. Por quê?
Concordo com praticamente tudo. É uma das minhas ideias mudar o futebol. Primeiro mudar o país, que é o que se fala hoje, mas há três anos faço críticas para mostrar que o calendário é ruim, que a CBF não executa seu trabalho de forma adequada, que as federações não se preocupam com clubes do interior. Quando li, me senti representado. Vejo que o movimento ganha força. O modelo de formação de atletas do futebol brasileiro é ultrapassado, então é um grande momento para irmos nesse caminho e tentar mudanças pontuais para se desenvolver e voltar a crescer como o país do futebol.
Paulo André denota pontos a melhorar no futebol brasileiro (Reginaldo Castro/Lancepress)
L!Net: Você é a favor da realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil no ano que vem?
Quando ela chegou, fiquei feliz, era um sonho. Todo mundo gostaria de ver a Copa aqui e ganhá-la, mas o projeto inicial do governo era que a iniciativa privada tocasse a maior parte das obras, que todo o desenvolvimento de infraestrutura e mobilidade urbana fosse feito assim. Depois de algum tempo você percebe que não aconteceu isso. Nada mais justo do que mudar de opinião. Hoje, foram gastos mais de R$ 28 bilhões e não há legado estrutural. Ficam os estádios, todos lindos e bem feitos, mas onde foram gastos mais do que se devia. E você vê a dificuldade nos aeroportos, com quase nenhuma obra concluída. Quando tiro um pouco a cabeça do futebol e olho por cima, acho que não fez bem para o país. Não estávamos preparados para isso. Tinham coisas mais importantes do que a Copa e a Olimpíada para que melhorássemos antes.
L!Net: O Corinthians está envolvido na Copa. Nunca te silenciaram?
Não. Uma vez o Andrés (Sanchez, ex-presidente) falou que primeiro eu tinha de jogar para depois falar, porque eu estava machucado. Ele estava na CBF e eu era contrário às decisões. Faltavam projetos a longo prazo. Foi a única invertida que tomei. Tenho um grande apreço por ele, mas continuarei falando porque são minhas opiniões, é ideológico.
L!Net: O que projeta para o futuro?
Brinco que um dia vou ser presidente da CBF. Ou melhor, da Liga.
L!Net: Prefere o modelo de ligas?
Seria mais interessante e rentável, mais produtivo para o futebol. Porque teriam menos cargos políticos e mais cargos técnicos na direção.
L!Net: Qual seria sua primeira medida?
São tantas (risos). É necessário planejamento. Onde queremos estar em 20 anos? Que futebol queremos jogar? Um bonito como o da Espanha? Como o de 1970 ou de 1982? Vamos capacitar pessoas para que, dentro de clubes e federações, capacitemos esse tipo de atleta. O resultado virá em alguns anos. É função da CBF investir para atingirmos o tipo de futebol que se quer. Hoje ela cuida do Brasileirão, da Copa do Brasil e da Seleção, mas vejo um vácuo grande de vontade de querer melhorar o produto que eles têm na mão. Na Seleção há pressão, mas nos torneios não se pensa em melhorar o nível.
L!Net: Faltam bons técnicos de base?
Já é necessário, mas em algum momento vão perceber que a capacitação dos profissionais que trabalham com futebol é urgente. Além do currículo de educador físico, é necessário um curso da CBF, como é feito em toda a Europa. Que se capacite pessoas para trabalhar com crianças dos 10 aos 12, dos 12 aos 15 e dos 15 aos 17, cada nível com sua graduação e elementos básicos de aprendizado. Isso com uma linha central para desenvolver o trabalho desejado.
L!Net: Acha que os jogadores deveriam participar mais das decisões?
Sim, não só no futebol, mas em todos os esportes. Hoje, é muito engessado o modelo político de federação e confederação. O jogador não tem voz. Na última vez que teve greve na NBA (liga de basquete americana), quem representou os atletas foram Kobe Bryant, LeBron James e outros seis dos melhores. São esses que podem dar a cara a tapa. Aqui são os de Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Inter… Temos de fazer em benefício de quem vem atrás. Se hoje tenho essa visão, foi porque joguei no Taboão da Serra e ganhei R$ 180 mensais por um ano. Joguei no CSA (AL) e não tinha o que comer. Me formei dentro do São Paulo, mas minha parte educacional foi ruim. Que tipo de atleta estamos formando? Quando pegam o microfone, não conseguem dar entrevista. Mas o atleta profissional hoje é reflexo da sociedade. O ensino público é ridículo.
L!Net: O sindicato te representa?
Já troquei farpas com eles. Em 2010, tentei ajudar com ideias, mas as coisas não andaram. Não nos perguntam sobre o calendário, as férias, a preparação. Em 2012, quando o Palmeiras foi agredido, fui o único jogador a dar entrevistas falando do absurdo. O sindicato me chamou de pseudo-politizado. Mas esse ano melhorou muito. Criaram um conselho para atletas de cada time irem às reuniões. Quase fizeram uma greve no Paulistão, que foi apoiada por todos, pela violência contra o Guarani e Palmeiras. Infelizmente não ocorreu, mas nós éramos a favor dela.
L!Net: Se votasse em 2015, quem apontaria como presidente da CBF?
Tem de ser alguém preparado e com visão para o longo prazo, com capacidade de gestão diferenciada. Hoje não vejo nenhum ex-atleta com competência para assumir o posto.
L!Net: Os protestos vão parar? E é melhor torcer contra o Brasil na Copa das Confederações, pelo impacto?
Não, de jeito nenhum, eles têm de aumentar. Não eram só pelos vinte centavos, né? Reduziram a tarifa, mas era o mínimo. E temos de torcer a favor do Brasil. Aquele sentimento que a Seleção não representava o povo se inverteu. Estão dispostos a lutar e, mesmo assim, apoiar a equipe. Mesmo discordando da CBF e do gasto excessivo do dinheiro público.
Academia LANCE!
Gustavo Delbin
Presidente do IBDD
A PEC 37 tira poder do Ministério Público
PEC 37 trata das funções e competências de investigação do Ministério Público. A Proposta de Emenda Constitucional número 37, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), sugere incluir um novo parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal, com a seguinte redação: ‘A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1 e 4 deste artigo incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente’. Tal proposta pretende não permitir que o Ministério Público dê cabo a investigações criminais, atribuindo exclusivamente às autoridades policiais tal prerrogativa.
Há grande divergência no posicionamento da doutrina acerca dos poderes de investigação criminal do Ministério Público. Aqueles que negam ao Ministério Público os poderes de investigação criminal alegam que esta teria sido reservada, pela Constituição Federal, à Polícia Judiciária, de forma que a investigação criminal por parte do Ministério Público configuraria usurpação de atribuição que não lhe foi atribuída.
Os que atribuem ao Ministério Público os poderes de investigação criminal acreditam que este não é mero espectador da investigação criminal, podendo realizar as diligências investigatórias que se façam necessárias, vez que o artigo 144, § 4 não atribui exclusivamente este poder às autoridades policiais.
Isso influencia todas as áreas da sociedade, podendo chegar ao esporte, de forma direta ou indireta. O caso conhecido como Mensalão, por exemplo, aconteceu a partir de uma investigação do Ministério Público. Todas as grandes investigações foram iniciadas pelo MP.
Por isso, a PEC 37 atrapalha o Ministério Público em todas as investigações no país. Qualquer tipo de questão com políticos, questões envolvendo juízes de direito e ‘pessoas grandes’, terrenos que viram condomínios ou muitas situações ambientais são todas investigadas pelo Ministério Público. Se tirarem esse poder vai facilitar para que se tenha problema em todas as áreas. A grita dos manifestantes é em relação a isso.
Fonte: Lancenet