Tive câncer e fui ameaçado por causa de Palmeiras x Corinthians, diz juiz

Danilo Vieira Andrade

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”Eu lembro que falavam de esquema Parmalat. Eu nunca conheci ninguém da Parmalat. Eu ouço falar do Brunoro faz 20 anos, nunca falei com o Brunoro”, se defende Aparecido (Reprodução)
Por José Aparecido de Oliveira:

“A federação optou por me colocar de árbitro porque era um jogo de alto risco e eu tinha personalidade para isso. Nós estamos falando dos dois principais rivais de São Paulo. Eu fui para o campo fazer o meu papel. As expulsões que eu marquei eram corretas e os pênaltis também. Não tem nenhum gol que eu marquei que não era para marcar. Eu não consigo visualizar de onde as pessoas conseguiram criar tanta polêmica assim.

SE EU FOR CONTAR TUDO QUE ESSA FINAL TROUXE PARA MIM, MEU AMIGO, VOCÊ CAI DURO PARA TRÁS. FUI AMEAÇADO, BATERAM NO MEU CARRO, CHEGARAM COM REVÓLVER, TIVE QUE ANDAR COM SEGURANÇA, QUE TIRAR A MINHA FAMÍLIA DE SÃO PAULO. O NEGÓCIO NÃO FOI FÁCIL NÃO
Se me perguntassem hoje: ‘você expulsaria o Edmundo?’ Eu expulsaria. Expulsaria. Eu vendo da minha casa. Mas por que eu não expulsei no jogo? O Paulo Sérgio era um jogador cai-cai. Era o Neymar da época. Qualquer coisa caia. Outra coisa, o Edmundo foi forte nele, foi, mas não pegou. Não pegou. Por isso, eu só dei o amarelo para o Edmundo. Se tivesse pego, eu expulsaria. A entrada foi forte, mas o Paulo Sérgio valorizou demais a entrada. Esse lance e outros que o corintianos reclamam, eu vi mais de 1000. E não é só aqui não, eu vi lá na Champions League, na Libertadores, na Copa do Brasil. A diferença do time do Palmeiras para o time do Corinthians era gritante. Se o Palmeiras e Corinthians daquela época jogassem 100 vezes, o Palmeiras ganharia 101. A única coisa que me chateia é que tentam tirar o mérito do Palmeiras e falar que foi o árbitro.
SE ME PERGUNTASSEM HOJE: ‘VOCÊ EXPULSARIA O EDMUNDO?’ EU EXPULSARIA. NÃO EXPULSEI NO JOGO PORQUE O PAULO SÉRGIO ERA UM JOGADOR CAI-CAI. ERA O NEYMAR DA ÉPOCA. A ENTRADA FOI FORTE, MAS O PAULO SÉRGIO VALORIZOU DEMAIS
Eu lembro que falavam de esquema Parmalat. Eu nunca conheci ninguém da Parmalat. Eu ouço falar do Brunoro faz 20 anos, nunca falei com o Brunoro. Nunca vi esse senhor na minha frente. Nunca cumprimentei. Nunca falei um bom dia. Você pode chamar ele e perguntar isso para ele. Ele pode me conhecer de nome, mas eu nunca encontrei com ele.
Por causa desse jogo e dessa história de esquema Parmalat, eu fiquei sendo investigado pelo Ministério Público por um ano. Tive que ir na polícia federal e o promotor me falou: ‘Não sei o que o senhor tá fazendo aqui. Não tem nada contra o senhor’. Porque eu era bancário. Tinha conta bancária, tinha declaração de imposto de renda e isso mostrou que eu não tinha nada de irregular. Você acha que diante de tudo que aconteceu ninguém foi investigar nada? Minha vida toda foi vasculhada. Você acha pouco isso. A força dos cartolas é grande. Tudo isso abalou a minha saúde. Se eu for contar tudo que essa final trouxe para mim, meu amigo, você cai duro para trás. Eu fui ameaçado, bateram no meu carro, chegaram com revólver, eu tive que andar com segurança, eu tive que tirar a minha família de São Paulo. O negócio não foi fácil não.
LEMBRO QUE FALAVAM DE ESQUEMA PARMALAT. NUNCA CONHECI NINGUÉM DA PARMALAT. OUÇO FALAR DO BRUNORO FAZ 20 ANOS, NUNCA FALEI COM O BRUNORO. POR CAUSA DESSE JOGO E DESSA HISTÓRIA DE ESQUEMA PARMALAT, EU FIQUEI SENDO INVESTIGADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO POR UM ANO
Minha única mágoa com a federação foi que de 93 para 94 eu fiquei muito doente, eu tive um câncer. Eu levei 23 pontos na barriga pela cirurgia no estômago. Eu fiquei internado e quem é que foi me ver? Ninguém. Quem me ajudou foi a minha mãe, a minha família. Eu fiquei muito triste com isso ai. Eu me afastei do futebol e você nunca mais me viu em lugar nenhum. Para muita gente o Zé Aparecido morreuPara muita gente o jogo do Corinthians com o Palmeiras enterrou o Zé Aparecido. Pelo contrário, eu fiquei doente.
MINHA ÚNICA MÁGOA COM A FEDERAÇÃO FOI QUE DE 93 PARA 94 EU FIQUEI MUITO DOENTE, TIVE UM CÂNCER. PARA MUITA GENTE O JOGO DO CORINTHIANS COM O PALMEIRAS ENTERROU O ZÉ APARECIDO. PELO CONTRÁRIO, EU FIQUEI DOENTE
O futebol me deu muitas alegrias. Como árbitro internacional, eu ganhei dinheiro. Se eu apitava 12 jogos no mês, ganhava uns 30 salários mínimos. Mesmo com toda essa negatividade da final e 93, o futebol me deu muito mais alegrias que tristeza. Você tem uma alegria hoje e outra domingo que vem, mas quando vem uma tristeza, ela engole 5 alegrias que você teve. É muito duro você sentar em frente a TV com a sua mãe e seus filhos e ver o cara falando que você é ladrão, que você roubou. Que você não tem caráter, que você é isso e que você é aquilo, quando você não fez nada.
ÁRBITROS AQUI DO BRASIL, FAMOSOS, ERRARAM MUITO PIOR DO QUE EU E HOJE ESTÃO TRABALHANDO NA TV
No meu caso, pegaram no meu pé, quiseram destruir a minha imagem em função de um jogo, que se teve um erro, não foi ter expulsado o Edmundo. Árbitros aqui do Brasil, famosos, erraram muito pior do que eu e hoje estão trabalhando na TV e não passaram pelo o que eu passei. Em 93 eu era considerado o segundo melhor árbitro do Brasil, era do quadro da Fifa mas não fui para a Copa por questões políticas. Eu só cheguei onde cheguei pelo meu trabalho, meus méritos, nunca tive que pedir pelo amor de Deus para nada. E Copa do Mundo você tem que pedir. Eu nunca pedi nada. Nem para chegar onde cheguei como árbitro e nem para ter virado gerente do Banespa. Eu era concursado.
Eu tenho um filho que é corintiano doente, fanático. A gente não conversa sobre futebol. Eu não falo com ele sobre isso e ele não fala comigo sobre isso. Ele é corintiano porque ele nasceu corintiano. Ele tem de tudo do Corinthians, tem chaveiro, tem boné, tem toalha, tem camisa, ele tem tudo. Eu não sou corintiano, eu não sou palmeirense, não sou nada. Quando moleque, eu torcia para o Clube Atlético Taquaritinga. Eu era moleque, vivia no estádio, o CAT jogava lá, e eu ia. Torcer para time grande é influência. É influência de pai, de mãe. No meu caso, meu pai odiava futebol. Minha mãe idem. Eu sou  o filho mais velho. Na época que nasci, não tinha televisão em casa. Para mim falar em Corinthians, Santos ou Palmeiras dava na mesma. Meu filho virou corintiano por influência de televisão. Quando ele nasceu tinha tudo no quarto dele. TV, videogame, Atari, na época, ouvia muito rádio. Ele é fanático por rádio e TV, ou com os amiguinhos dele, acho que nasceu dali. Agora, por influência minha não, eu nunca falei com meu filho sobre futebol. Quando eu fui apitar a final de 93, meu filho já estava com 19 anos. Isso foi coisa da cabeça dele.
TENHO UM FILHO QUE É CORINTIANO DOENTE, FANÁTICO. A GENTE NÃO CONVERSA SOBRE FUTEBOL. NÃO SOU CORINTIANO, EU NÃO SOU PALMEIRENSE, NÃO SOU NADA. QUANDO MOLEQUE, EU TORCIA PARA O CLUBE ATLÉTICO TAQUARITINGA
Se pudesse voltar no tempo, eu faria tudo de novo. Faria mesmo. Não gostaria de passar o que eu passei, de problema de saúde e ameaça à minha família, mas eu fui feliz no futebol. Se me perguntassem se eu gostaria de apitar Palmeiras x Corinthians de 1993 de novo, nas condições que foram, eu falaria que não. Eu abriria mão de qualquer coisa, de qualquer dinheiro na minha vida, para eu não ter que apitar esse jogo. Porque eu não merecia passar pelo o que eu passei. Passei por tudo isso por pura ignorância. Mas esses são minoria. A maioria dos corintianos gosta de mim, me cumprimenta na rua. Depois, vendo o teipe do jogo, eles mudaram de ideia, já mudaram de opinião. A coisa não foi tão, tão… como pensam…”
SE ME PERGUNTASSEM SE EU GOSTARIA DE APITAR PALMEIRAS X CORINTHIANS DE 1993 DE NOVO, NAS CONDIÇÕES QUE FORAM, EU FALARIA QUE NÃO. EU ABRIRIA MÃO DE QUALQUER COISA, DE QUALQUER DINHEIRO NA MINHA VIDA, PARA EU NÃO TER QUE APITAR ESSE JOGO.
Ficha técnica:
Palmeiras 4 x 0 Corinthians
Data: 12/06/93
Local: Morumbi
Juiz: José Aparecido de Oliveira
Público: 104.401 pagantes
Gols: Zinho, Evair, Edilson e Evair (10’/1º tempo da prorrogação)
Palmeiras: Sérgio, Mazinho, Antônio Carlos, Tonhão, Roberto Carlos, César Sampaio, Daniel, Edílson (Jean Carlo), Zinho, Edmundo, Evair (Alexandre Rosa). Técnico: Vanderlei Luxemburgo.
Corinthians: Ronaldo, Leandro, Marcelo, Henrique, Ricardo, Marcelinho Paulista, Ezequiel, Neto, Paulo Sérgio, Viola, Adil (Tupãzinho) (Wilson). Técnico: Nelsinho Batista

(Depoimento de José Aparecido de Oliveira ao editor Ricardo Zanirato)

Fonte: Fox Sports