Pelo direito de renascer com o Corinthians

Danilo Vieira Andrade

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Você acorda todos os dias para lutar por sua vida. Enfrenta o mesmo mundo que eu e na medida do possível tenta minimizar os riscos da hipocrisia, do excesso de competitividade, das dificuldades impostas pelo capitalismo e segue em frente, dia após dia, nessa luta incansável.
A vida é muito valiosa. Seja você criança, adolescente, adulto, homem, mulher, não importa. Também não importa a sua religião, sua cor, condição social e seu time do coração. É um privilégio acordar todos os dias, poder seguir em frente buscando os objetivos e isso tudo é cansativo demais. Mas sempre buscamos força de onde não sabemos e seguimos.
Eu tenho meus objetivos particulares. Já vivi muita coisa e tenho certeza que ainda não vi o suficiente. Perdi meu pai aos 14 anos e dei tanto trabalho pra minha mãe que acabei me criando sozinho. Largado. Fui pai aos 26 e comecei a entender que o pensamento individualista era o maior dos erros em minha personalidade. Estou cheio de conta pra pagar, ferrado de grana, muitas vezes recebo ofensas, meu ex-melhor amigo foi um ingrato comigo e vi por um momento os meus sonhos indo por água abaixo.
Quando você chega ao fundo do poço, e sinceramente desejo a todos vocês que isso nunca aconteça, você se torna uma criança de novo. Quer colo, uma palavra de conforto, ajuda, alguém que passe a mão na sua cabeça. Algo que não é novidade: não há pancada maior do que a vida te dá. Não há crítica maior do que a auto avaliação. Não há lugar mais fácil de ficar sozinho do que no mundo.
No dia 23 de maio de 2012 acordei determinado a desistir de tudo. Conversei com meu tio e disse que não tinha mais forças pra nada. Queria que ele ajudasse a me encontrar uma solução. Estava completamente perdido. Ouvi dele que precisava “nascer de novo” e parar com a auto piedade.
Quando você está em depressão, as coisas demoram a ser processadas. Algo positivo precisa acontecer para que você dê uma acordada. E nesse dia, sentando no sofá da casa de minha família no interior, chorei, gritei, sofri, ri e chorei novamente quando Paulinho marcou o gol de cabeça contra o Vasco da Gama.
A adrenalina foi tão grande que passei a noite inteira escrevendo. Escrevi para minha mãe, pra mãe da minha filha, pros meus tios, pra minha namorada na época, no meu antigo blog e fiquei acordado sem pestanejar até a noite de quinta. Tracei novas metas e criei uma linha lógica na cabeça para seguir o meu caminho.
O menino Kevin morreu. Com ele morreu parte da mãe, parte do pai, parte da família e amigos. O povo boliviano sentiu, o San José sentiu e o Corinthians sentiu. Tite chorou e a 2 metros de distância eu vi o quão profundas foram suas lágrimas e o quão sincero ele foi ao dizer que trocaria o título mundial pela vida do garoto. Vi quão dolorido estava para Edu Gaspar falar de futebol ou mesmo dar explicações. Observei o clima de velório da chegada do elenco ao hotel.
Jornalistas, colunistas, blogueiros e torcedores mostram uma falsa indignação. Se escondem atrás da sombra de um menino que faleceu vítima de um tiro de sinalizador para cagar regra. Os autores, cúmplices, suposto menor confesso e as cabeças pensantes por trás disso tudo, estão mais preocupados com a própria pele do que com a gravidade do que aconteceu. Que mundo é esse que vivemos onde tudo que se fala é em punição para o Corinthians, em suposto laranja querendo assumir e pior, que mundo é esse em que você torcedor de outro time, vem aqui neste espaço me chamar de assassino? Quem você pensa que é?
Expus parte da minha vida pessoal, inclusive coisas muito particulares, para que você perceba que sou um ser humano comum, cheio de problemas, mas cercado de sonhos e objetivos. E da mesma forma que eu sou assim, todos nós somos. Kevin era. E muitos outros que nascerão, serão.
E onde encontramos uma válvula de escape, um motivo pra desopilar todo nosso stress, amigos que durante 90 minutos são extremamente verdadeiros, onde as diferenças sociais somem, onde credos se somam e a política é deixada de fora, pelo menos pra mim é no Estádio Paulo Machado de Carvalho. Na maioria das vezes.
Quando estou cansado, o Corinthians me cansa ainda mais mas me realiza (ganhando ou perdendo). Quando estou pê da vida, o Corinthians me deixa mais pê da vida ainda ou ameniza a situação. Quando estou triste, o Corinthians me derruba de vez ou me devolve uma alegria que estava perdida por alguma razão.
E isso eu aprendi com meu pai e ensino pra minha filha.
Pois todos sabemos que abaixo do que temos de maior em nossa vida, nossos pais, filhos, esposas, e para alguns está até acima disso, existe uma coisa:
Corinthians minha vida, Corinthians minha história, Corinthians meu amor.
A punição para o caso Kevin tem que ser criminal. Cadeia em quem cometeu o crime. Se o Corinthians tiver que ser punido, a pena deve ser administrativa.
Devolvam ao corinthiano o direito de incentivar seu time. Somos em grande maioria de paz. Bandidos existem em todas as torcidas.
E devemos nos unir para que estes, não frequentem mais estádios. Em nome de todos que queremos bem.
Mas devolvam o nosso direito de torcer. Todos nós, bons torcedores, queremos o direito de poder renascer após um gol inesquecível.

Fonte: Blog Ricardo Taves – Globo Esporte