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Sonho de seleção brasileira embala zagueiro Marquinhos em viagem do ‘Terrão’ a Paris

Danilo Vieira Andrade

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Marquinhos assinou por cinco temporadas com o PSG | Divulgação

Com o sonho de um dia se tornar um reconhecido jogador de futebol, o garoto acorda cedo para enfrentar o ‘Terrão’ do Sport Club Corinthians Paulista e treinar nas categorias de base. Destaque entre seus companheiros, a promessa desperta o interesse dos responsáveis pelo time profissional e logo o zagueiro é promovido. Diante de uma Libertadores, ainda que sem querer, o jogador recebe a camisa 10, se torna campeão continental, e não demora para chegar ao futebol europeu. A Roma, clube pelo qual Falcão se tornou ‘rei’, é a escolha, mas a carreira na Itália não é longa. O novo milionário Paris Saint-Germain logo contrata o ainda menino Marquinhos, que em poucos meses vê sua vida transformada pelo mundo da bola.

O ‘garoto do Terrão’, magro, com aparelho na boca, ainda tímido e não acostumado com os holofotes do mundo da bola foi na contramão da opinião popular sobre a carreira de um jogador. Se apenas ‘um em 1 milhão’ consegue atingir o sucesso, Marquinhos seguiu seu instinto, aliou a sorte à competência e vingou. Pelos gramados do Parque São Jorge mostrou que o sonho de quase todo menino brasileiro estava bem perto de sua realidade. Talvez, o zagueiro não esperasse que sua ascensão fosse tão rápida, que a Europa estava tão próxima e o Corinthians tão distante, mas certamente projetou sua vida com a camisa de um grande clube, aclamado por um estádio abarrotado de gente, vibrando, quem sabe, com uma bela cabeceada do defensor para o fundo das redes.
A rápida chegada a um clube que aparece entre os principais esquadrões do futebol mundial para a próxima temporada faz Marquinhos sonhar ainda mais alto. O jogador terá que apresentar um futebol bem acima da média para vencer a concorrência brasileira com Thiago Silva e Alex e garantir uma vaga na defesa titular do PSG, mas o zagueiro também está de olho em outra disputa verde e amarela. Com seu companheiro de clube, David Luiz, Dante e Réver, a zaga parece ser o motivo de menos preocupação para Luiz Felipe Scolari. O garoto, no entanto, não deixa de lado o sonho de vestir a camisa da seleção. A chegada ao futebol francês, que deve ganhar mais destaque na próxima temporada com a afirmação do Paris Saint-Germain e o retorno de um Mônaco milionário é a prova disso.
O provável sucesso em terras francesas, porém, não deve apagar as raízes de sua memória. Diante de um próspero cenário pela frente em sua carreira, Marquinhos não esquece o Alvinegro do Parque São Jorge. O zagueiro demonstra gratidão aos profissionais que possibilitaram sua formação e não esconde o lado torcedor. Corintiano, o garoto já projeta sua volta ao clube em que ‘se fez homem’. Em entrevista, o defensor falou sobre o amor pelo Corinthians, as transformações na carreira e as dificuldades para lidar com essa rápida transformação.
Depois de 10 anos nas categorias de base do Corinthians, você começou a ganhar espaço no elenco principal, e então veio a transferência para a Roma, e, um ano depois, a ida para o PSG. Você atribuiu a que seu rápido desenvolvimento na Europa? Tem muito a ver com o desenvolvimento nas categorias de base do Corinthians?
Marquinhos: Com certeza. Essa base que eu tive ali, o que eu aprendi ali, o que eu vivi ali. A atenção que os profissionais que ali estavam me deram. No Corinthians eu me fiz homem. Desde que eu me conheço como pessoa, eu me vejo no Corinthians, brincando e jogando no ‘Terrão’. A pessoa que eu me fiz ali dentro com certeza me influenciou no profissional e me transformou na pessoa que eu sou hoje.
Na Roma, fizeram algum tipo de trabalho especial para você ganhar massa muscular?
Marquinhos: Trabalho especial não tive, não. Mantive o trabalho que tinha no Corinthians, de suplementação. Lá continuei com o mesmo trabalho. A alimentação só mudou pelos costumes do país. Os treinos foram praticamente os mesmos.
Como você disse, viveu a época do lendário ‘Terrão’. Você acha que jogar em um campo com condições tão ruins te ajudou a se adaptar melhor às situações adversas do esporte?
Marquinhos: Essas experiências pelas quais a gente passa na vida contam muito. No dia em que você chega a um lugar bom, um lugar que te dá uma estrutura melhor, acaba valorizando muito mais. Então você tem que passar por algumas coisas na vida, por algumas dificuldades, para que um dia, quando você tem alguma coisa na mão, você saiba valorizar e não deixe escapar.
Qual foi o papel do Tite para o seu crescimento como jogador?
Marquinhos: O Tite hoje é um treinador muito evoluído. É um treinador que todos veem que taticamente é um dos melhores. Não só taticamente, como em todos os aspectos. No pouco convívio que tive com ele – nos meus seis meses de profissional – aprendi muito, escutei muito. Trabalhar e conviver com profissionais campeões é sempre bom. Com certeza ele tem uma parcela em tudo isso que estou vivendo hoje.
Ele chegou a te dar alguma instrução técnica que você leva até hoje?
Marquinhos: Ele é um treinador que ajuda muito os seus jogadores, é um pai para todos. Se ele vir que pode ajudar em alguma coisa, com certeza ele vai ajudar, dando toques dentro de campo, conversando fora. Não sé ele, como todos os auxiliares dele, que me ajudaram muito, que me pegaram muitas vezes depois do treino para fazer trabalho complementar. Ali eu cresci muito, e com certeza se eu cheguei pronto à Roma, também foi muito mérito do trabalho que fiz, do aperfeiçoamento que fiz antes.
De que forma a chegada do Antônio Carlos, que foi ídolo da Roma, na metade da última temporada, te ajudou?
Marquinhos: Acabou não atingindo muito, porque ele chegou depois. Ele é um grande ídolo lá, mas a gente acabou chegando em períodos diferentes. Ele começou a trabalhar com a agente só depois de um tempo.
Ele te ajudou diretamente? Por ter sido ídolo, te passou mais tranquilidade?
Marquinhos: Você fora do seu país acaba tendo uma necessidade de conviver com brasileiros. Na Roma, quanto mais brasileiros chegavam, era melhor para a gente. Ter um brasileiro na comissão, que te ajudava, que jogou na mesma posição que você, era muito bom. Ele me deu muito toque, me ajudou muito. Nos intervalos dos jogos me deu muitos toques. Ele teve uma certa importância, sim, no tempo em que esteve com a gente.
A convivência com o Leandro Castán, seu antigo companheiro no Corinthians, facilitou sua adaptação?
Marquinhos: O Leandro Castán é um grande amigo que eu tenho. Já o conhecia do Corinthians. Quando acabamos indo para fora juntos, quase na mesma época, criamos um vínculo de amizade muito grande. (Foi muito bom ter) essa tranquilidade de chegar lá e jogar ao lado de um companheiro que você já conhece, que você já sabe onde gosta de jogar, o que gosta de fazer dentro de campo. Esse entrosamento é muito bom para quem joga.
Você teve dificuldades no começo para se adaptar ao futebol italiano?
Marquinhos: Não digo dificuldades. É aquela questão da adaptação normal, que toda pessoa quando sai do seu país sente. Para mim, que saí novo, com 18 anos de idade, com certeza a questão da adaptação foi um pouco complicada. Para mim foi tudo muito rápido, até a questão dos costumes e da comida. A Itália é um país maravilhoso. Pelo futebol não foi tão difícil, é tudo uma questão de personalidade, de treinamento e aperfeiçoamento. E eu, a cada dia, a cada treino, procurava estar pronto para o mais rápido possível poder estar atuando, jogando.
Olhando para trás, você acha que a decisão de sair do Brasil tão cedo foi acertada?
Marquinhos: Eu acho que sim. Foi uma questão muito delicada. Foi uma questão muito bem projetada, muito bem conversada. Foi uma escolha, que hoje, graças a Deus, eu vejo que deu certo. Foi uma aposta, que hoje eu vejo que deu certo.
Em algum momento você chegou a perceber que a rápida ascensão na carreira, com contratos milionários em tão pouco tempo de vida profissional, mexeram com a sua cabeça?
Marquinhos: Isso de jeito nenhum. Foco e entusiasmo com tudo, o tesão de estar trabalhando e estar crescendo, isso a gente não pode deixar de ter nunca. Não importa onde você esteja ou quanto você ganhe, quando um profissional, um jogador, uma pessoa perde isso, acaba encontrando dificuldades. E desde pequeno, desde cedo, a gente vive isso. Vem trabalhando, vem escutando conselhos de todos, para quando chegasse esse momento, pudesse lidar com todas essas cifras, com todas essas conquistas, com todas essas experiências, porque não é nada fácil. Você tem que sempre conseguir não se deixar abalar e, acima de tudo, não perder o foco naquilo que você quer e naquilo com que você sonha.
Falando sobre a sua chegada ao PSG. Você deixou a Roma por acreditar que no PSG terá mais condições de conquistar títulos?
Marquinhos: Com certeza. Aqui é um grande clube, um grande time, com grandes jogadores, que disputam grandes campeonatos. Aqui eu vou buscar amadurecer, evoluir sempre e aumentar cada dia mais o meu grau de atuações, para conseguir alcançar meus objetivos e meus sonhos.
A ida para o PSG envolve o desejo de defender a seleção na Copa do Mundo?
Marquinhos: Eu tenho que sonhar. Se eu não sonhar, quem vai sonhar por mim? Sonhar eu sonho mesmo, querer eu quero muito. Nada é fácil, nada cai do céu. Eu sei que tenho que trabalhar muito, manter meus pés no chão, e em cada jogo mostrar meu valor, em cada treinamento procurar evoluir, para chegar mais perto do meu sonho, que é estar na Seleção Brasileira.
Como você vê essa ‘disputa brasileira’ por posição na zaga do Paris Saint-Germain? Pela importância do Thiago Silva, você acha que sua briga será diretamente com o Alex?
Marquinhos: É uma briga normal, de trabalho, uma briga sadia, uma briga a que todos estamos acostumados. Com bastante respeito, bastante humildade, todos vão buscar seu espaço. Sabemos da qualidade de todos os jogadores que estão lá, e cada um vai buscar seu espacinho no time.
Você escolheu a camisa 5 por algum motivo especial?
Marquinhos: Quando comecei a jogar, eu jogava de volante, então usei em muitas vezes o número 5. Eu acho um número muito forte, muito marcante. Pelas opções que tinha aqui, a 5 é uma das camisas de que eu mais gostava e uma das que mais mexeram comigo.
A imprensa europeia especula que o PSG gastou 35 milhões de euros (R$ 101,5 milhões) para te contratar, o que se configura na quarta transação envolvendo defensores mais cara da história. Você só fica atrás de Ferdinand (Manchester), Thiago Silva (PSG) e Thuram (Juventus). Eles tinham entre 24 e 29 anos na época das transferências, e você só tem 19. Você acredita que a pressão da torcida e dos dirigentes por um retorno desse investimento pode atrapalhar sua vida no PSG?
Marquinhos: Essa pressão no futebol é constante. Quem vive no futebol, sabe como é, sabe o que é a pressão diária que gira em torno de você. Você tem que estar preparado para encarar essa pressão, que vem de todos os lados. Você tem que ter a cabeça boa. Precisa ter pessoas ao seu lado que queiram seu bem, que te ajudem nessa hora. São cifras com que você não pode ficar se deslumbrando. Não pode perder seu foco por causa dessas coisas extracampo. E quando chega ali dentro (de campo), você tem que mostrar o seu trabalho e fazer aquilo que sabe fazer melhor, independentemente de números e pressões que possam vir de fora do campo.
Falando sobre o Corinthians. Você acha que esse protagonismo da equipe no futebol brasileiro nos últimos anos está associado a quê?
Marquinhos: Eu acho que é um mérito de todos. Para ser um time grande, você tem que ter uma estrutura favorável a isso. Você tem que ter uma diretoria campeã, um treinador campeão e, acima de tudo, um time campeão. O que você vê ali é um time vencedor. Com toda a estrutura que tem o time, com tudo o que o time fornece, não tinha outro rumo, outra coisa para acontecer, a não ser ganhar títulos, crescer, estar onde está hoje.
Em entrevista dada há três meses, você disse que não pensava em voltar ao Corinthians. Isso é só pensando em um futuro próximo? Você pensa em, por exemplo, encerrar a carreira no clube?
Marquinhos: Foi uma coisa muito mal interpretada. Não foi esse o contexto. Me perguntaram se eu não voltaria para o Corinthians. O Corinthians sempre foi uma questão muito delicada, porque são diversas opiniões e paixões envolvidas. Foi um momento muito delicado da minha vida deixar o Corinthians, que é um clube pelo qual tenho um carinho enorme. Não foi uma coisa fácil para mim. Com certeza o sonho de todo garoto é voltar. Não sei quando. O futuro a gente não sabe nunca. A gente tem que seguir a vida, dando um passo de cada vez, vivendo um dia após o outro, vivendo um ano após o outro, para saber se um dia a gente vai acabar voltando pra um lugar que te deu todo o respeito do mundo, que te fez homem, que te deu uma educação.
Você sente um vazio por ter saído antes de se tornar um ídolo da torcida corintiana e por não ter conquistado títulos como titular do time profissional?
Marquinhos: E difícil, né, cara. Falar do Corinthians é sempre uma questão muito delicada. Naquele momento foi uma escolha, que seria boa para mim. Foi tudo uma questão de aposta. Quando você faz uma escolha, acaba abrindo mão de outras coisas.
Fonte: ESPN