Até este fim de semana, as organizadas do Corinthians conseguiam fazer uma espécie de ‘compra coletiva’ de ingressos para os jogos do clube. No meio de uma crise com as torcidas, a diretoria alvinegra vai revogar o benefício, que permitia que um torcedor pudesse comprar um bilhete até nas quadras das uniformizadas.
O Corinthians mudou de postura depois que, nesta semana, a Polícia Civil apreendeu R$ 18 mil na quadra da Camisa 12, durante a execução dos mandatos de prisão relativos à invasão do CT Joaquim Grava. A organizada argumentou que a verba era proveniente de venda de ingressos, e expôs o sistema utilizado para compra de bilhetes atualmente.
Diante disso, o clube, que está em conflito com as torcidas desde a invasão, decidiu cortar a ‘facilidade’. O sistema vigorou desde o crescimento do Fiel Torcedor (programa de sócio-torcedor do Corinthians), e é uma adaptação ao que já acontecia anteriormente, nos tempos de Andrés Sanchez. Sem cometer nenhuma ilegalidade, o clube permitia que a organizada comprasse os bilhetes em grandes quantidades, podendo, assim, distribuir por conta própria entre seus afiliados.
Antigamente, uma carga era dada para as torcidas, que antes do jogo seguinte pagavam ao Corinthians a soma equivalente àquela remessa de ingressos, sob pena de não receber o próximo montante de bilhetes. Quando o Fiel Torcedor se sofisticou, esse acordo foi substituído.
No sistema de sócio-torcedor, cada corintiano cadastrado adquire seu ingresso pela internet. Os organizados, por orientação do Ministério Público, têm um plano especial, chamado ‘Minha Torcida’. A eles são destinados 5 mil bilhetes, na arquibancada amarela do Pacaembu.
Os únicos que podem comprar essa modalidade de entrada são os uniformizados cadastrados na FPF (Federação Paulista de Futebol). Cerca de 8 mil torcedores atendem esse requisito e fazem parte do Fiel Torcedor. Uma parte deles compra pela internet de forma individual, como os demais sócios-torcedores. A maior parte dos organizados, porém, faz uma ‘compra coletiva’.
Cerca de dois dias antes, as torcidas entram em contato com o clube e avisam quantas entradas querem para o jogo seguinte. O Corinthians emite os ingressos físicos (sócios-torcedores convencionais usam o cartão do Fiel Torcedor como bilhete) e entrega às organizadas, que repassam para os seus sócios.
Cada um desses ingressos físicos sai no nome de um sócio-torcedor real, que cede sua conta no programa para que a organizada gerencie. De posse do bilhete, ela tanto pode repassar ao dono do cartão do Fiel Torcedor quanto a um terceiro que tenha pagado separadamente pela entrada. Na prática, uma pessoa pode entrar no estádio com um ingresso em nome de outra pessoa.
Isso acontece porque a fiscalização na entrada do Pacaembu é falha, e a necessidade de agilidade no processo de acesso ao estádio não permite uma checagem de documentos. O Corinthians argumenta que essa é uma responsabilidade da FPF, que estaria obrigada a disponibilizar um software de reconhecimento facial, que até agora não saiu do papel. A federação, por sua vez, culpa o clube.
‘A FPF fiscaliza o cartão do torcedor [nome do cadastro de organizados da entidade]. O cartão não dá direito de comprar ingressos. É só para entrar com a camisa da organizada’, disse o coronel Marcos Marinho, diretor da FPF que cuida do assunto.
Todo o sistema, em tese, descumpre as orientações do Ministério Público. A entidade prega que os clubes devem cortar qualquer laço com as organizadas, e que o torcedor que vai ao estádio tem de ser identificado corretamente. O problema é que isso não passa de um conselho.
‘Do ponto de vista legal, eles não estão descumprindo nada. Mas estão colaborando para que coisas ilegais aconteçam. Eles apenas disseram que tomariam certos caminhos e que buscariam algumas coisas, mas nada foi assinado’, disse Roberto Senise, promotor de direitos do consumidor que trata de torcidas organizadas no Ministério Público Estadual.
No ano passado, Senise reuniu os clubes para assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que colocaria regras na relação com as organizadas. Não houve consenso, o documento não virou regra e as partes devem voltar a discutir o tema a partir de março.
Só que, pressionado por opinião pública e imprensa após a apreensão do dinheiro na Camisa 12, o Corinthians agiu por conta própria. O clube explica que, da carga de 5 mil ingressos para organizados, no máximo 3,5 mil vão para o sistema de ‘compra coletiva’. A partir de agora, a ideia é que esses torcedores se adaptem ao Fiel Torcedor convencional, adquirindo seus bilhetes pela internet e entrando no estádio com o cartão do programa.
Nos dois primeiros jogos, em caráter emergencial, o Corinthians vai fornecer uma bilheteria especial para os organizados. Contra o Rio Claro, neste sábado, e o Comercial, na próxima quarta, os membros das torcidas que não conseguirem comprar ingressos pela internet poderão fazê-lo na porta do estádio, onde serão orientados a se adaptarem à nova realidade.
As organizadas já foram avisadas da mudança, e por enquanto é impossível saber qual será sua reação. Depois da invasão ao CT Joaquim Grava, no início de fevereiro, Mário Gobbi virou um alvo ainda mais fácil das organizadas por ter se posicionado contra elas em público, ainda que o tenha feito timidamente.
Com a perda da última ‘facilidade’ que possuía, a torcida pode aumentar ainda mais o tom contra elenco e diretoria, que têm sofrido neste início de ano claudicante.
Fonte: UOL