Um dos mais velhos do elenco, Ralf foi escolhido para ser capitão por Mano (Foto: Daniel Augusto Jr / Agência Corinthians) |
A trajetória do volante Ralf no Corinthians quase terminou no dia 1º de fevereiro deste ano. Faltou pouco. Assustado e revoltado com a invasão de aproximadamente 200 torcedores ao CT Joaquim Grava, o jogador entrou em contato com seu representante, André Costa, e se mostrou decidido a deixar o clube, onde já havia conquistado cinco títulos, de Paulistão a Mundial. Por telefone, foi claro: achava que não merecia ficar horas preso em um vestiário, com medo, após tanta entrega com a camisa alvinegra.
– Não vou ficar aqui. Não sou marginal – disse o volante ao empresário.
Mais calmo após conversar com amigos e familiares, Ralf mudou de ideia. Decidiu encarar as dificuldades e permanecer no Corinthians, onde planeja ficar até o fim do seu contrato, válido até dezembro de 2015. Curiosamente, no dia da invasão ao CT, o jogador foi o único poupado pelos torcedores, que exigiam uma conversa com um representante do elenco – à exceção do volante que, segundo eles, não merecia ser cobrado. Na oportunidade, o técnico Mano Menezes foi o responsável pelo diálogo.
Ralf não esconde o desejo de, um dia, jogar na Europa. Os papos constantes com o amigo Paulinho, ex-companheiro de Corinthians e atualmente no Tottenham, da Inglaterra, despertam a curiosidade do atleta. Porém, maior do que a vontade de partir para o exterior é a gratidão ao Timão: titular da equipe há quase quatro anos, o volante assegura que só deixa o Parque São Jorge com uma proposta que seja tão favorável a ele quanto ao clube.
As constantes especulações sobre o fim de sua trajetória no Corinthians incomodaram Ralf. Com postura e discurso sérios, o atual capitão alvinegro esclareceu que não tem planos a longo prazo, e que deixar o Timão para um destino “duvidoso” está fora de cogitação.
O volante recebeu a reportagem do GloboEsporte.com para uma entrevista exclusiva no prédio onde mora, na zona leste de São Paulo. Falou sobre as diferenças sentidas com a chegada de Mano Menezes, contou em detalhes o dia em que quase decidiu abandonar o clube e projetou o futuro do Corinthians em 2014.
Leia a entrevista na íntegra:
GloboEsporte.com:Você recebeu alguma proposta para sair ou pretende permanecer no Corinthians até o fim do seu contrato?
Ralf: Eu sempre gostei de respeitar meu tempo de contrato, e aqui não é diferente. Estou muito feliz aqui, exercendo a função de capitão. Mas se aparecer alguma coisa lá na frente, uma oportunidade de sair, quero deixar as coisas bem claras: que seja bom para todos nós, para mim, para os representantes e para o Corinthians. Não me chegou oferta nenhuma, e eu quero ficar. Meu contrato vai até dezembro de 2015, então é mais um ano e meio de dedicação, assim como foi nesses últimos quatro.
Passa por sua cabeça jogar na Europa em algum momento da carreira?
Todo jogador tem objetivo de chegar à seleção e à Europa. Eu penso dessa forma. Claro que eu tenho expectativa de saber como é lá fora. O Paulinho fala muito bem, o Elias também. É outra cultura, diferente, mas a minha realidade hoje é o Brasil. Se não acontecer, vou seguir minha vida.
Você jogaria em um rival do Corinthians?
Eu tenho de ser profissional e ver o que é melhor para mim. Desde o contrato, parte financeira, até o fato de eu estar feliz ou não. Infelizmente não importa só o clube que eu torço ou deixo de torcer. Seria estranho, mas não posso falar que nunca jogaria. Mas que é difícil eu pensar em sair direto para um rival, isso é. Eu conquistei tudo aqui.
Mas você é corintiano desde criança ou se tornou após ganhar tantos títulos no clube?
Sim, desde criança. Acho que é por isso que minha dedicação é maior. A cobrança vem da minha família, já. Todo mundo é corintiano em casa, e eu também sempre fui. Procuro sempre fazer o melhor para fazer todo mundo feliz.
Como foi assumir a função de capitão na equipe? Você gosta de liderar?
Sempre deixei bem claro que nunca gostei de ser capitão. Às vezes te dão uma braçadeira e isso passa a impressão de que você tem de comandar tudo. Não é bem assim. Cada um tem sua liderança, seu papel importante no grupo. A tarja não te faz falar mais ou menos. O Mano me disse que eu sou um dos mais velhos do elenco, um cara que todos respeitam, e isso ajudou muito. Com esse respaldo, ganhei confiança. Eu nunca fui de gritar, mas tenho o papel de falar com a diretoria, cobrar alguma premiação e repassar coisas para os jogadores.
Na invasão ao CT, os torcedores exigiam conversar com qualquer jogador, menos com você. Diziam que o Ralf não merecia ser cobrado. O que você pensa disso?
Eu merecia ser tão cobrado quanto os outros. Fico até chateado por não terem cobrado de mim, só dos meus amigos. Eu estou junto com eles. Se agredissem meus companheiros, eu ia cair no meio, nem que eu apanhasse. Não é porque é o Ralf, o Cássio ou o Gil. As coisas não devem ser resolvidas assim. Você só deixa o jogador preocupado, com medo. Só agrava os problemas.
Você pensou em ir embora do Corinthians naquele dia?
No momento eu pensei em sair, até liguei para o meu representante. Não era daquela forma que nós deveríamos ser tratados. As coisas têm de ser conversadas, não é com agressão que você vai resolver. Nós não somos bandidos. Também queremos o melhor para o clube. Naquele momento eu só liguei para o meu representante e falei: “Não vou ficar aqui. Não sou marginal, sempre procurei melhorar meu desempenho e ajudar o clube”. Aquela manhã foi tensa, eu nunca pensei que passaria por algo parecido. Eu estava lá após a eliminação para o Tolima (na primeira fase da Libertadores de 2011), mas não foi da mesma forma. Aquilo ali não era a torcida do Corinthians, só alguns vândalos que usavam o distintivo e invadiram o CT.
O que mais te assustou naquelas horas em que os torcedores estavam dentro do CT?
Uns caras estavam com a camisa no rosto. Você não sabe se ele está drogado, transtornado. Como você vai reagir? Aí você pensa: eles vão entrar aqui, nos matar, e vai ficar por isso mesmo? Foi lamentável. Mas graças a Deus já passou.
A ideia de ir embora passou rápido? O que pesou pela sua permanência?
Aquilo foi só um momento. Às vezes ansioso, puto, você age de cabeça quente. Minha família sempre me alertou para eu pensar direito, ter paciência. Mais calmo, optei pela permanência. Naquele domingo, para o jogo contra a Ponte, não tínhamos cabeça. Mesmo com policiais, não sabíamos se poderiam armar uma emboscada na estrada. Você pensa em tudo. Ficamos pensando: “Pô, se amanhã perdermos os caras vão invadir de novo”. Mas isso tudo passou.
O que você pensa sobre a relação próxima entre jogadores e torcedores?
Não sou de falar com torcida. Meu trabalho é dentro de campo, o deles é do lado de fora. Adoro o que eles fazem, empurrando o time no Brasil ou fora, mas tenho uma relacionamento profissional. A cobrança é no estádio.
Como é lidar com a pressão após conquistar cinco títulos nos últimos três anos?
Às vezes, as conquistas não vêm, e isso gera desconfiança. O grupo sempre foi vencedor. Eu permaneci, Danilo, Fábio Santos, Cássio, Paolo (Guerrero)… Não saiu o elenco inteiro. Esses caras têm experiência e respeito. Nós nos cobramos por não passar da primeira fase do Paulista. Com o elenco que tínhamos, era obrigação chegar às finais, independentemente de ganhar ou não. Nós nos cobramos como os torcedores nos cobram. Não aceitamos a derrota.
O que mudou com a saída do Tite e a chegada do Mano?
Os dois são ótimos profissionais. Cada um tem um perfil diferente. Um é mais de marcação, o outro mais agressividade. Mas ambos respeitam os atletas que estão lá, se dedicam da melhor forma possível. Às vezes, a torcida questiona, não aceita, mas a filosofia de jogo é pela vitória.
Quando o Tite saiu, você disse que se a decisão dependesse de você, ele permaneceria. A diretoria errou?
Falei aquilo na época pelas conquistas que ele teve e pelo profissional que sempre foi. Eu não estou criticando a diretoria, mas achava que ele merecia mais oportunidade. Não é porque você não ganha um campeonato que tem de trocar tudo e nada presta mais. Mas ele decidiu o melhor para ele, saiu pela porta da frente e vai ser bem recebido se um dia voltar. O Tite sempre foi um paizão, quis nosso bem. O Mano também preza pelo grupo, mas tem características diferentes. Não deixa de ser um bom profissional. Ele não chegou ao Flamengo e à seleção à toa. Também merece todo carinho e respeito.
Muitos torcedores criticam as constantes mudanças do Mano na equipe. Vocês, jogadores, entendem essas alterações?
Entender nós entendemos, mas às vezes não temos consistência. Você não sabe onde um atleta ou outro vai estar. Acho que o Mano está buscando essa melhora. É difícil. Ele teve um tempo para trabalhar após a eliminação no Paulista, mas às vezes o jogo não encaixa. Tivemos bons jogos, boas vitórias. Na estreia na Arena não fizemos um brilhante jogo, mas tivemos chances. Às vezes a vitória não vem mesmo.
A mudança para a Arena Corinthians está sendo difícil para a equipe?
A ansiedade é normal, com a torcida querendo as vitórias na arena nova. Da nossa parte foi ainda maior, de querer dar a vitória para eles. Perder por 1 a 0 (para o Figueirense) aquele jogo em casa não estava nos planos, mas não é porque você pega o último colocado da tabela que a partida vai ser fácil. O Mano nos alertou sobre a ansiedade, mas sofremos com isso e pagamos o preço.
A acomodação após as conquistas entre 2011 e 2013 atrapalhou o clube?
Se acharmos que somos “os caras”, podemos sair do futebol. Não é porque conquistamos tudo que sempre vai ser maravilhoso, está bom, não tem o que melhorar. A busca é sempre por mais, com humildade e pés no chão. Os adversários também tem profissionais.
Até onde o Corinthians pode chegar neste Campeonato Brasileiro?
O elenco é para brigar por título, mas o objetivo hoje é ficar entre os quatro, estar na Libertadores. Depois vemos se conseguimos ser campeões ou não.
Fonte: Globo Esporte