Zé Roberto é o capitão do Luverdense (Foto: Felipe Bolguese) |
No último domingo, enquanto o Luverdense vencia o Santa Cruz no Passo das Emas, o capitão Zé Roberto começou a chorar em campo. Ninguém percebeu e ele fez questão de esconder de todos. Mas não esconde que é uma grande pessoa.
Em maio, sua mãe faleceu de lúpus (doença autoimune rara) e desde então ele vive o pior momento da vida pessoal. Faz de tudo para não transparecer as fraquezas aos companheiros, até mesmo chorar escondido no quarto.
Em contrapartida, aos 32 anos, o zagueiro se vê no melhor momento da carreira profissional e quer provar isso diante do Corinthians, nesta quarta-feira, pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Para ele, a vida sempre foi um perde e ganha.
Os dois jogadores que o fizeram começar a jogar na base do Internacional já faleceram. Na base do Corinthians, seu empresário foi ganancioso e atrapalhou sua chance de seguir no clube. O técnico que deu-lhe a primeira oportunidade foi o último que o dispensou e o fez encerrar a carreira. Zagueiros que foram preteridos por ele, como Lúcio, Luisão e Alex Silva, vingaram e fizeram sucesso. Quando teve boas propostas fora do país, foi enganado e voltou para o Brasil. Aposentou-se para fazer um curso de piloto de helicóptero, em 2010, e reencontrou a mulher de sua vida, que se tornaria a incentivadora para ele voltar a jogar.
Confira a seguir a trajetória, as frustrações e as alegrias do principal jogador do adversário do Timão:
Você jogou na base do Corinthians. Como foi a passagem por lá?
Joguei lá no Terrão, morava debaixo das arquibancadas do Parque São Jorge. Tinha Luciano Bebê, Ewerthon, Kleber, Anderson, o Edu, hoje gerente do Corinthians… Eu morava no mesmo quarto do Índio, campeão brasileiro. Que sorte que ele deu! Jogar num time com Gamarra atrás, Vampeta do lado e Marcelinho na frente era muito fácil. Quando cheguei, eles dispensaram o Luisão. Estavam entre eu e ele e optaram por ficar comigo. Depois, levei azar, não houve acordo entre meu empresário e a diretoria do Corinthians. O cara achava que eu era o segundo Gamarra e não fechava negócio com ninguém.
Por que nunca deu certo em um grande clube?
Cara, não sei dizer. Eu nunca fui baladeiro, nunca fui mau caráter, onde passei fui líder, capitão, fui capitão nas bases de Inter e Corinthians. Futebol é hora certa e lugar certo. Eu trilhei meu caminho para dar certo. Eu era Infantil do Inter e jogava no Juvenil. São coisas do futebol. Lúcio era meu banco no Inter. O Luisão dispensaram pra ficar comigo. O Alex Silva foi meu banco no Vitória. E olha onde eles chegaram.
Você teve uma passagem no exterior antes de chegar ao Luverdense…
Antes de ir para o Irã, estava com um amigo meu em Curitiba, em 2008. Ia passar o fim de semana e segunda-feira começararia meu curso de piloto de helicóptero. Queria largar o futebol, estava dando murro em ponta de faca, pensava ‘Deus está querendo dizer que não é pra mim, não é possível! Olha todo mundo vingando e eu nada’. Domingo, o Marcelo, goleiro que era do Corinthians, me ligou e disse ‘Vem para São Paulo que estamos indo para o Irã’. Eu respondi ‘Está louco? Nem tem futebol no Irã…’. ‘Quanto?’ ’20 mil dólares por mês’. Perguntei que horas embarcávamos (risos). Fiz a mala, fui, chegamos no Irã eu, ele e Rafael Toledo, um amigo nosso, para fazer testes. Só eu fiquei. Na hora de assinar o contrato, vi um 0 a menos. Não era 20 mil, era 2 mil. O tradutor disse que até o fim do ano ia ganhar 2 mil, depois passaria a ganhar 20 mil. Voltei para o quarto, fiz minhas malas e fui embora. Aí estava decidido que não queria mais jogar futebol mesmo.
Mas aí acabou parando no Luverdense…
Quando voltei do Irã, não estávamos numa fase financeira boa em casa, e um amigo meu que hoje é preparador de goleiros do Guarani, Gustavo Scalese, disse que tinha um clube no Mato Grosso para eu jogar. Eu disse ‘Não, muito obrigado. Não quero nem saber da proposta. Mato Grosso só tem cobra’ Era o que pensava (risos). Mas depois ele falou o salário, eu aceitei e vim. Fomos campeões estaduais em 2009, conquistei título, fiz uma boa temporada… Em 2010, não fizemos um bom estadual, e na Série C assumiu o técnico Lisca. Quando passei no teste do Inter, foi ele que me fez começar a carreira. E depois ele me dispensou no Luverdense (risos).
Como foram as duas situações?
Eu tinha sido dispensado da base do Inter após os testes. Estava dormindo e ia acordar para pegar o ônibus e voltar à minha cidade. O Marcos e o Fabiano, os dois zagueiros do profissional, me acordaram. Falaram ‘Vamos bater uma bola’. Eu estava triste, dispensado, mas fui. Começamos a lançar bolas… Chegou um treinador e perguntou de mim. O cara me mandou treinar com o time de 80, e o treinador era o Lisca. Eu treinei bem. Ele disse que, se o treinador do time de 81 não me queria, eu treinaria no time de 80. Por isso, comecei a treinar no Inter. Detalhe: os dois zagueiros já faleceram. Eu considero eles meus anjos, porque não teve motivo eles me acordarem para bater bola, era proibido. Fomos com nossa roupa, no CT do clube, não existia, nunca ninguém tinha feito isso. Eu paro e penso muito até hoje. E o Lisca, que me deu moral aquela época, foi o cara que me dispensou do Luverdense. Fui expulso em dois jogos como último homem. Em um, eu fui o herói, em outro, o culpado. Depois do que eu fui o culpado, ele resolveu me dispensar. O cara que me deu oportunidade de começar a jogar foi o cara que me fez parar. Aí parei mesmo.
E por que resolveu ser piloto de helicóptero?
Minha família toda é de piloto, tenho 16 primos pilotos. O meu sogro é dono do maior táxi aéreo do Brasil. Não era meu sogro ainda. Comecei a fazer o curso e queria trabalhar na empresa dele. Eu era apaixonado pela Mariana, filha dele, desde moleque. Conhecia da minha cidade desde pequeno. Nunca mais tínhamos nos encontrado, cada um foi para sua vida. Em 2010, um primo meu que é piloto ligou para ela e disse que eu estava em Curitiba, fazendo curso de piloto. Voltamos a nos falar e saímos. Ela disse que ia ter um jantar numa casa de uma amiga, disse que tinha umas amigas pra me apresentar. Eu já estava armando o bote (risos). No jantar, ela não parava de passar batom. Uma amiga perguntou se eu era o namorado, eu disse que não. ‘Nossa, mas nunca vi ela balançada por um cara como está por você’. Aí depois ela chegou e perguntou com quem das amigas eu ia ficar. Eu respondi ‘Quem eu vou querer, não sei se vou conseguir’. Dei a pedrada na cara (risos). Ficamos aquela noite e começamos a namorar. Aí ficou aquele medo de como íamos assumir. Eu queria trabalhar na empresa do homem e estava pegando a filha dele (risos). Eu já ficando com ela há um bom tempo, ele veio me falar de uma ex-namorada, dizendo que era que eu pegava, que sabia, eu dizendo que não, que não via faz tempo… Pô, estava com a filha dele. Como ele descobriu depois, não posso falar (risos).
E depois como foi a volta para o Luverdense?
Tinha feito o teste de piloto comercial teórico, estava com 99 horas, e o presidente Helmute me ligou. ‘Ei tchê! Seguinte, volta a jogar aqui. Ou tu voltas a jogar, te pago x por mês, ou não precisas mais, pode ficar aí com teus helicópteros’. Minhas economias tinham ido todas no curso, fui morar fora, paguei aluguel, paguei o curso sozinho. Vi a proposta, pensei em aceitar, jogar um ano, pagar tudo e depois eu voltava para ser piloto. E não fiz a prova prática. Vim para cá, fiz um baita de um campeonato ano passado, fui seleção da Série C… Nas férias, eu fiquei estudando para a prova, e passei no teste. Nesse ano, fiz mais horas práticas que faltavam e tirei a licença de piloto. Ia começar a fazer o curso de instrução de voo, mas como fiz um bom campeonato, renovei o contrato. E esse ano estão acontecendo coisas maravilhosas. Pessoalmente, é o ano mais triste da minha vida, porque perdi a minha mãe. Mas profissionalmente está sendo maravilhoso, o time está bem na Série C, agora vai jogar contra o Corinthians…
E agora pensa em jogar até quando?
Depois que passou tudo isso, voltei a jogar em alto nível, ano passado fui seleção do campeonato, quase subimos, perdemos para a Chapecoense que está jogando muito agora na Série B… Esse ano, o que estamos fazendo, vice-líder do grupo, oitavas de final da Copa do Brasil desbancando Bahia, Fortaleza… Ser piloto está em segundo plano. Vou trilhar meu caminho no futebol até quando der. Acham que 32 anos é velho, mas tem Juninho Pernambucano, Zé Roberto, Sheik… Acho que estou na minha melhor fase como jogador, me sinto superbem, acho que corro mais do que quando eu era mais novo, acho que idade é questão de estado de espírito.
Como você lidou com a morte da mãe e jogando ao mesmo tempo?
Nessas férias que passei estudando, foi o início dos sintomas da doença da minha mãe, que faleceu de lúpus. No fim do ano, comecei a me preocupar muito com a situação. Levamos minha mãe para Curitiba. De janeiro até maio, quando ela faleceu, cada dia vinha uma notícia ruim. Ela piorava e estabilizava. Piorava e estabilizava. Nunca houve melhora. Pô, passei a vida inteira querendo jogar para ganhar dinheiro e ajudar minha mãe. Queria jogar para dar uma casa para a minha mãe. Queria jogar para levá-la para conhecer a praia. Queria ganhar dinheiro para pagar uma empregada porque a vida inteira ela esteve sozinha. Quando as minhas tias eram pequenas, ela cuidava das irmãs para meus avós irem para a roça trabalhar. Ela teve a vida mais sofrida e mais feliz do mundo. Era uma pessoa super religiosa, tinha Deus do lado. Tudo que eu queria fazer era para dar para ela, e de repente eu não tenho mais esse objetivo. Minha mãe faleceu e não consegui dar nada disso para ela. É um momento difícil da minha vida. No jogo contra o Santa Cruz, na metade do segundo tempo, eu estava chorando no campo.
Já havia acontecido isso antes?
Minha mãe faleceu no dia 23 de maio, uma semana antes do meu aniversário. Um dia antes do jogo contra o Bahia, eu cheguei, ela estava meio desfigurada por causa da doença, inchada, e não queria me ver. Ela achava que estava feia. Eu passei uma semana com ela no hospital e falei para ela tudo que não havia falado em 32 anos. Às vezes, as pessoas têm vergonha de falar eu te amo para os pais, ainda mais nós do interior do Paraná que somos descendentes de italianos. Mas tudo que sentia por ela acabei falando. Sempre fui um filho bacana, mesmo ganhando pouco, consegui ajudar. Deus me deu a oportunidade de pagar o tratamento. Mas o mais triste é trilhar a vida para um objetivo, e depois você não ter mais isso. Hoje em dia, acaba o jogo, não tenho para quem ligar. Ligo para meu pai, que é meu maior torcedor, mas a minha maior alegria era ligar para a minha mãe. Em todos os jogos da minha vida, enquanto eu jogava, ela estava ajoelhada rezando. E agora, um jogo desse contra o Corinthians, que ia passar na TV, imagina a felicidade dela de me ver, de falar para as vizinhas que era o filho dela… Saí do velório da minha mãe, fiquei 15 dias parado, e fui direto para o jogo contra o Santa Cruz, tendo que motivar a equipe, tendo que ser forte, passar a liderança que eu tenho no Luverdense. Tinha que voltar a fazer meu papel, não podia baixar a cabeça. Então, fazia o papel de líder na frente deles e chorava escondido no quarto. O Raul, que concentra comigo, é um dos poucos que sabem disso. Na frente de todo mundo, sou o cara mais forte do mundo, mas sou como qualquer pessoa, é inevitável, é uma dor sem fim. Estou em busca da superação.
Por que teve esse sentimento no último jogo?
Quando estava no velório da minha mãe, ela era uma das líderes da igreja da minha cidade… Quando estava do lado do caixão dela, uma mulher disse que eu era filho de uma santa. ‘No dia que você fizer uma oração, peça para a sua mãe. Se tem uma pessoa que está no céu, é ela. Ela vai olhar por vocês’. (Começa a chorar) Eu sinto muito a presença dela. De vez em quando é no hotel, no jogo… Minha esposa faz esse papel em casa. Mas tem momentos do dia que sinto muito a presença dela. Contra o Santa Cruz, levamos o gol de empate e eu fiquei muito tranquilo. E a gente vinha de derrota para o Águia (de Marabá) por 4 a 0, todo mundo questionando o tie, mas nesse jogo eu estava tranquilo, estava sentindo a presença dela. Eu agradeci, falei com ela no meu interior, isso me emocionou. Eu chorava dentro do campo, e acho que isso vai durar um tempo. É a pessoa que mais amei na minha vida, quero ser metade do que ela foi como pessoa. Ela provou que não precisa de dinheiro para ser feliz, nunca priorizou nada. Talvez esse seja um dos motivos, mas não por isso sou frustrado, sou feliz pela pessoa que me tornei, e foi graças a ela.
O Luverdense tem condições de vencer o Corinthians?
A gente sabe que é muito difícil, além de se tratar de Corinthians, eles têm grandes jogadores, é o campeão mundial, que tem um grande treinador que é o Tite. Eu me interesso pela parte tática. É bonito ver o Corinthians jogar. Só que somos seres humanos, 11 contra 11. Eles fizeram por onde, para defender o clube, são diferentes, mas aqui tem um grupo que também almeja chegar lá. Temos jogadores com qualidade para jogar Série A. Estamos concentrados, estamos treinados, preparados para fazer um grande jogo. Motivação demais pode dar nervosismo. Mas podemos fazer uma grande partida. A classificação é um sonho e se Deus quiser vamos conseguir alcançar.
Qual atacante preocupa mais?
Estava até brincando na semana passada, porque aqui na cidade o pessoal pensa que, se não levarmos uma goleada, já será um lucro. Já ouvi ‘Quero ver pegar o Sheik’. Outro fala do Romarinho, do Pato, cuidado com o domínio dele… Aí não sei se torço para virem com reservas ou titulares. Dá na mesma, são muitos caras bons. Romarinho, Sheik, Pato, Guerrero… Qualidade indiscutível. É só pedreira. Nem sei quem é titular, qualquer um pode ser. Tite faz revezamento. É uma tarefa da mais árdua que já peguei, vou tentar me preparar.
Fonte: Lancenet