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O brasileiro Ronaldo Luís Nazário de Lima dispensa apresentações. Mais conhecido como ‘Fenômeno’, é um dos melhores atacantes que jamais pisaram os gramados. Maior artilheiro da história da Copa do Mundo da FIFA, com 15 gols, o ex-jogador de Cruzeiro, PSV, Barcelona, Internazionale, Real Madrid, Milan e Corinthians comemora neste ano uma data especial. Há duas décadas, em 25 de maio de 1993, ele dava o pontapé inicial em uma carreira tão variada quanto bem-sucedida.
Longe de ser aquele garoto de 16 anos que abriu espaço entre os profissionais do Cruzeiro para enfrentar a Caldense pelo Campeonato Mineiro de 1993, Ronaldo aproveitou sua passagem por Zurique para relembrar seus inícios em uma entrevista ao FIFA.com. Entre os assuntos, estão o nervosismo que sentiu antes da estreia, o primeiro salário que ganhou, suas passagens por clubes arquirrivais e o que está por vir: a festa do Brasil 2014.
FIFA.com: Ronaldo, este ano fez duas décadas que você estreou como jogador profissional. Hoje, quais são as primeiras lembranças que vêm a sua cabeça daquele dia?
Ronaldo: Já passou muito tempo. Eu me lembro perfeitamente de tudo em minha carreira, desde o início, de como foi aquela sensação de crescer e me transformar em um profissional no Cruzeiro. Sempre sonhei em ser jogador de futebol e foi uma emoção muito grande quando me dei conta de que aquilo estava mesmo acontecendo. Foi mágico. Minhas pernas, meus braços e minhas mãos tremiam. Mas depois começou o jogo e eu fui me acalmando.
O que passou primeiro por sua cabeça quando o técnico confirmou que você jogaria?
Fiquei muito nervoso, muito acelerado. Mas ao mesmo tempo estava otimista. Aquilo era tudo o que eu queria: poder jogar. Sentia um frio na barriga pelo medo e a responsabilidade, mas ao mesmo tempo era tudo o que eu sempre tinha procurado. Por isso, consegui superar aquele nervosismo. Normalmente, os jogadores ficam nervosos antes, mas quando o jogo começa, isso passa. Você esquece tudo.
Para quem você deu a notícia primeiro?
Naquela época, ainda não tínhamos celulares. Lembro que, entre meus amigos de Bento Ribeiro (bairro do Rio de Janeiro), poucos tinham telefone fixo em casa. Avisei minha família e um ou outro amigo que tinham telefone naquele tempo. Todos ficaram emocionados. Como o jogo não foi transmitido pela TV, meu pai foi até outro bairro onde tem um morro muito alto. Ele tinha um rádio muito antigo, de alta frequência, e sintonizou uma emissora de Belo Horizonte, que fica a 450 quilômetros do Rio de Janeiro. Ele escutou o jogo em tempo real, e nós ganhamos. Foi emocionante.
A vida mudou muito desde então. Você se lembra do que fez com o primeiro salário?
Lembro. Dei o primeiro salário inteiro para minha mãe, porque tínhamos um sofá na casa de Bento Ribeiro onde eu dormia. Meus irmãos tinham cama e meus pais também, mas eu dormia no sofá. Minha mãe mandou reformá-lo inteiro, também como forma de agradecimento, para que eu tivesse um lugar melhor para dormir.
Olhando para trás, você faria algo diferente?
Não. Graças a minha disciplina, meu sacrifício e minha dedicação ao futebol, tudo aconteceu como eu queria que fosse. E digo mais, o resultado foi muito melhor do que eu esperava. Nunca pensei que chegaria tão longe. Sempre sonhei em ser jogador. Então, minha vida esportiva foi perfeita.
Perfeita, mas não simples. Ainda muito jovem, você teve de emigrar para a Holanda. Como foi esse passo, considerando a distância e a dificuldade de se comunicar com seus familiares?
Foi muito difícil. Eu tinha só 17 anos. E a Holanda é um país muito diferente do Brasil. Cheguei a pegar 30 graus abaixo de zero! Isso, para um carioca, é uma péssima notícia. Eu sofria muito pelo frio. Na hora de treinar, os pés, as pernas, as mãos, o pescoço, as orelhas, tudo congelava. Nunca pensei que veria tanto frio em minha vida. A comida também era complicada, eu não falava a língua e ficava muito difícil escolher o que eu queria no cardápio. Aprender o idioma foi muito complicado, levou dois anos. Agora, já não falo mais, porque não pratico faz muito tempo. Mas dentro de campo eu me divertia. Então, o sacrifício valia a pena.
Que atacantes você admirava naquela época?
O Zico foi sem dúvida meu grande ídolo. Mas atacante, naquele momento, era o (Marco) van Basten. Como camisa 9, ele foi um dos melhores.
Poderia destacar uma situação que tenha marcado sua carreira positivamente? Uma única…
É difícil destacar uma só. Diria que todas as decisões que eu tomei foram perfeitas e no momento certo. A escolha do Cruzeiro, do PSV, do Barcelona, da Inter, e assim por diante. Isso foi o mais importante.
Ficou com vontade de ter jogado em algum time específico?
Em um time, não sei. Gostaria de ter jogado no futebol inglês, mas não tive nem oportunidade nem tempo. Isso, com certeza.
Você brilhou no Barcelona, mas também assinou com o Real Madrid. E vestiu as camisas da Inter e do Milan. Muitos torcedores o amam, sem dúvida, mas outros talvez nem tanto…
Como dizia um grande escritor brasileiro (Nelson Rodrigues), toda unanimidade é burra. Não me incomodo de não agradar todo mundo. Só espero agradar a maioria… (risos)
Um ano depois de estrear profissionalmente, você foi campeão da Copa do Mundo da FIFA nos Estados Unidos sem ter pisado um minuto sequer em campo. Como foi a convivência com jogadores como Romário, Dunga e Bebeto?
Foi ótimo, como entrar para a faculdade. Estar no mesmo ambiente do Romário, do Bebeto, do Dunga, do Raí, do Leonardo, jogadores que eu via pela TV, que eu admirava. De repente, eu estava com eles, jogando e aprendendo. Eu me lembro de treinar e observar a movimentação do Romário e do Bebeto. Foi um aprendizado enorme.
O Brasil 2014 está cada vez mais próximo. Como você analisa a Seleção atual? Uma Copa das Confederações da FIFA não é o mesmo que uma Copa do Mundo da FIFA…
Não é o mesmo, mas a equipe deu uma amostra do potencial que tem. Com tempo para treinar, o Brasil melhor muito seu jogo. Alimentou muito a esperança dos brasileiros de ganhar a Copa do Mundo em casa. Temos muitas chances.
Quem são os favoritos ao título?
Espanha e Alemanha continuam sendo candidatas, mas o Brasil também mostrou uma grande força e jogará em casa. Pela ordem, diria que os favoritos são Brasil, Alemanha e Espanha. Desse jeito.
Sabia que o Miroslav Klose está a um gol de empatar seu recorde como artilheiro histórico do torneio?
Sim, muita gente me fala desse assunto. Acho que, no futebol, os recordes existem para ser quebrados. Essa possibilidade não me preocupa, algum dia alguém o superará. Minha história foi feita com muitos gols e isso ele não pode apagar. Minha história e meus 15 gols não podem ser apagados. Se ele marcar mais gols, vou dar meus parabéns a ele e admirá-lo. Mas os meus, minha história, ele não pode tirar de mim.
Se isso acontecesse, seria uma revanche para os alemães, já que você quebrou o recorde de Gerd Müller no país dele…
Pode ser, poderia voltar para a Alemanha. Mas é um recorde que dá uma satisfação pessoal, não diz respeito a uma conquista coletiva. Ajuda a equipe, é verdade, mas acho que é mais importante a conquista em conjunto.
Para nos despedir, pensando em tudo que aconteceu nestes 20 anos, o que você diria hoje ao Ronaldo de 1993 se pudesse lhe dar um conselho?
Que ele tivesse paciência, ambição e muita disciplina. Minha cabeça não mudou tanto apesar do tempo que passou. Faria tudo exatamente como fiz.
Fonte: FIFA